quarta-feira, 6 de julho de 2011

É difícil perder-se.

Meu texto preferido da Clarice:




"Se eu me confirmar e me considerar verdadeira, estarei
perdida porque não saberei onde engastar meu novo modo de ser -
se eu for adiante nas minhas visões fragmentárias, o mundo
inteiro terá que se transformar para eu caber nele.



Perdi alguma coisa que me era essencial, e que já não me é
mais. Não me é necessária, assim como se eu tivesse perdido uma
terceira perna que até então me impossibilitava de andar mas que
fazia de mim um tripé estável. Essa terceira perna eu perdi. E
voltei a ser uma pessoa que nunca fui. Voltei a ter o que nunca
tive: apenas as duas pernas. Sei que somente com duas pernas é
que posso caminhar. Mas a ausência inútil da terceira me faz falta
e me assusta, era ela que fazia de mim uma coisa encontrável por
mim mesma, e sem sequer precisar me procurar.



... É difícil perder-se. É tão difícil que provavelmente arrumarei
depressa um modo de me achar, mesmo que achar-me seja de
novo a mentira de que vivo. Até agora achar-me era já ter uma
idéia de pessoa e nela me engastar: nessa pessoa organizada eu
me encarnava, e nem mesmo sentia o grande esforço de
construção que era viver. A idéia que eu fazia de pessoa vinha de
minha terceira perna, daquela que me plantava no chão. Mas e
agora? estarei mais livre?



Não. Sei que ainda não estou sentindo livremente, que de
novo penso porque tenho por objetivo achar - e que por segurança
chamarei de achar o momento em que encontrar um meio de
saída. Por que não tenho coragem de apenas achar um meio de
entrada? Oh, sei que entrei, sim. Mas assustei-me porque não sei
para onde dá essa entrada. E nunca antes eu me havia deixado
levar, a menos que soubesse para o quê".


Clarice Lispector

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